Pesquisas, os tamanhos das torcidas do Fla, do Corinthians, e números da invasão de 1976
Segunda-feira, no
Linha de Passe da
ESPN debatemos (
vídeo abaixo)
sobre a pesquisa Datafolha, que apresentou Flamengo e Corinthians com
praticamente o mesmo número de torcedores. Estranhamente o mesmo
instituto, há três anos, apontava uma diferença de 6 pontos percentuais
(19% a 13%). E foi o estudo da semana passada que assustou a muitos com o
empate em 1% entre as torcidas de Fluminense e Portuguesa de Desportos!
A
população do Brasil, segundo o Censo, em 2010, era de 190.732.694. Como
a pesquisa de 2009 foi realizada no final daquele ano, utilizemos 190
milhões como número base. Por ela, eram 23% dos habitantes de nosso país
sem time, ou seja, aproximadamente 43.700.000 que simplesmente não
torciam. Seriam 146.300.000 de torcedores e se 19% apoiavam o clube
carioca, o Datafolha então apontava o Flamengo com 27.797.000 de
adeptos. O Corinthians, com 13%, teria 19.019.000.
Claro que são
números aproximados, mas a diferença há 36 meses era de 8.778.000
torcedores ou algo não muito distante disso. Como tamanha vantagem
rubro-negra em tal ranking do mesmo instituto desapareceu em tão pouco
tempo? Importante: desde então a população brasileira cresceu em pouco
menos de 6 milhões de habitantes. No dia da chegada do Corinthians ao
Brasil trazendo na bagagem a taça de campeão mundial eram 196.655.014.
E
TODAS as pesquisas anteriores, seja lá de qual instituto, apontam o
Flamengo com torcida nitidamente maior. o que derruba a tola tese
segundo a qual a de 2012 estaria certa e a de 2009 errada. É, parece que
o Datafolha errou em algo. Depois veio uma explicação um pouco mais
detalhada, mas ainda assim nada convincente. A liderança ainda seria
rubro-negra, mas a diferença entre os dois mais populares times do país
teria caído para menos de 1 ponto percentual. E em apenas três anos! Não
custa lembrar, era de seis pontos!!! Milhões de fãs simplesmente
sumiram?
O instituto deveria revelar quais as 160
cidades pesquisadas e quantas pessoas foram ouvidas em cada uma delas.
Sem essa informação não vejo como levar tal resultado a sério, pela
diferença abissal em relação aos estudos anteriores, do Datafolha e de
seus concorrentes. E talvez o eventual anúncio dos municípios
pesquisados torne o resultado ainda menos crível. E o assunto é
relevante, pois pesquisas assim podem valorizar ou desvalorizar clubes
que tentam obter patrocínios e fechar novos negócios para 2013.
Aliás,
a pesquisa em sua nova apresentação, com mais uma casa decimal, mostrou
a Portuguesa com 0,51% (acima dos 730 mil torcedores). Mais do que
Sport, Náutico, Goiás, Ceará, Fortaleza, Coritiba, Atlético Paranaense,
Santa Cruz, Paysandu, Remo, Sampaio Correa, Vila Nova, Criciúma. Avaí,
Figueirense... Vários clubes com legiões de torcedores que enchem seus
estádios mas sequer aparecem no estudo em sua versão mais detalhada —
clique
aqui e veja.
Como
crer cegamente que esse resultado traduza a realidade nacional? Mais
parece um "retrato" de um pedaço do país. Talvez ele seja aceito por
aqueles que rotulam o nordestino torcedor de um time carioca como alguém
que tem na equipe do Rio um "segundo amor". Em geral eles são os mesmos
que definem os corintianos paranaenses como tão fiéis quanto os
paulistas. Algo como uma interpretação conveniente. O mesmo vale para a
conclusão de que uma torcida crescerá por causa de conquistas enquanto
as outras encolherão. Mas a "Fiel" não encolheu durante o jejum de 23
anos sem título. Coisa mais patética! Futebol é paixão e não tem apenas uma camisa, ou duas cores.
Em
São Paulo muitos não engolem o fato de o time mais popular do Brasil
não ser paulista, apesar do vigor econômico do Estado. Não por acaso
teve enorme repercussão na mídia paulista uma declaração nada científica
de um dirigente do São Paulo quando o time ganhou o terceiro campeonato
nacional consecutivo, em 2008. O cartola acariciou sua bola de cristal e
cravou: em 10 anos o tricolor do Morumbi teria a maior torcida do país.
Poucas vezes uma bravata foi tão destacada pela imprensa como naquela
ocasião.
Pessoas assim também tentam convencer
os mais ingênuos que apenas os apaixonados por determinado times são
realmente apaixonados. Como se não bastasse o papo do monopólio do
sofrimento, que por sinal há tempos é muito mais verde e branco do que
alvinegro. A presença da Portuguesa na lista, à frente de tantos clubes
populares em suas respectivas regiões, dá a forte sensação de que as
"misteriosas" cidades pesquisadas foram, em grande parte, paulistas e/ou
que têm forte influência do futebol de São Paulo, como as do norte do
Paraná.
E existem mais pontos para você ler,
parar, pensar, acreditar, duvidar... A torcida do Cruzeiro aparece quase
60% maior do que a do Atlético Mineiro e a do Grêmio 50% superior à do
Internacional. Os santistas (com 6% da preferência na cidade de São
Paulo segundo o Datafolha revelou em outra pesquisa de 2012) desta vez
são praticamente tantos quanto os seguidores de Botafogo e Fluminense
juntos. Efeito Neymar? Como apenas pessoas com pelo menos 16 anos foram
ouvidas, difícil crer que esses já eleitores tenham virado casaca por
causa do jovem craque. Pois é...
Mas o papo no
Linha de Passe com
Juca Kfouri, José Trajano, Márcio Guedes, Paulo Andrade e Fernando
Calazans passou pela pesquisa foi parar na famosa invasão corintiana. Em
1976, milhares de torcedores foram ao Rio de Janeiro ver o time do
Parque São Jorge bater o Fluminense nos pênaltis e chegar à final do
Campeonato Brasileiro. Um momento histórico de nosso futebol, a maior
demonstração de paixão dada por uma torcida, então há 22 anos sem
títulos.
Antes de qualquer conclusão precipitada, clubística, de
quem lê essas linhas, deixo claro que então com 13 anos de idade fiquei
comovido com o que vi ao passar pelo velho "Maraca" na véspera do
cotejo. Eram vários carros com placas de São Paulo e bandeiras
alvinegras já na cidade. Sempre fui vidrado em torcidas, suas
movimentações, deslocamentos, manifestações de amor ao time. Quem
acompanha este blog sabe bem disso. Aquele que duvidar pode ler vários
posts anteriores.
Afirmo, sem medo de errar: jamais houve
tamanha massa de torcedores viajando entre dois Estados por causa de um
jogo neste país. É absolutamente justo que os corintianos se orgulhem de
tal feito. Duvido que alguém o iguale. Até hoje a torcida do
Corinthians é a que mais viaja atrás de seu time e já abri espaço aqui
no blog para mostrar o quão sofrido é seguir o clube — clique
aqui e leia. Também neste blog a omissão da maior torcida do Brasil já foi criticada com veemência. Clicando
aqui você lerá minha opinião sobre o sumiço dos rubro-negros dos estádios.
Feitas
as devidas observações, afinal de contas, quantos corintianos foram de
São Paulo para o Rio de Janeiro apoiar o time do técnico Duque? Virou
"verdade" que teriam sido 70 mil. Acompanhei com atenção tudo que
envolveu aquele jogo, aquela semana, sempre achei o número exagerado. O
que, repito, não tira o brilho do feito sem igual alcançado pela "Fiel"
há 36 anos. Fossem 20 mil, 30 mil pessoas e aquilo já seria sensacional.
E o número certamente passou bem disso.
O fã de esportes Marcus Castro me enviou o link da edição do
Jornal do Brasil
publicada no dia seguinte à invasão. Sim, a invasão aconteceu, o que
contesto é o real tamanho do deslocamento SP-RJ. Por isso, abaixo uma
série de trechos extraídos do velho
JB daquela segunda-feira, 6
de dezembro de 1976. Note trechos grifados, eles ajudam a chegar perto
dos números reais. E são sensacionais pelo detalhamento, pela boa
apuração.
Fui ao acervo da
Folha de S. Paulo. Na edição
do mesmo dia nota-se uma estimativa mais "chutada", não há informações
que sustentem o número de corintianos estimado pelo jornal. E a manchete
era realmente... "corintiana". Não imagino a mesma publicação, hoje,
indo tão longe, literalmente vestindo a camisa. Mais de 40 mil
torcedores do Corinthians saíram da capital paulista para o Maracanã.
Isso é certo pelos dados detalhadíssimos do JB, que informa, inclusive,
quantos ingressos foram para São Paulo e a quantidade devolvida pelos
corintianos por não terem sido vendidos.
Com os que compraram
bilhetes no Rio, moradores da cidade ou de outras que não a capital
paulista, perto de 50 mil alvinegros parece algo factível. Torcida que,
reforçada por rivais do então carioca hegemônico e consequentemente
detestado (por muitos) Fluminense, dividiram a arquibancada do Maracanã.
Nas antigas cadeiras azuis os corintianos eram numerosos e na geral
havia maioria tricolor, o que se observa nos vídeos que mostram a
comemoração de Ruço, por exemplo.
Veja abaixo o
lance do gol e ouça a narração emocionante, espetacular, de Osmar
Santos. "O amor fala mais alto no Maracanã". Frase lapidar do grande
narrador para sintetizar aquele momento de superação de um time
nitidamente inferior tecnicamente e que buscava o sonho da
classificação.
Na
época, quando o Maracanã tinha tudo para lotar, vendiam cerca de 40 mil
gerais, 25 mil cadeiras azuis e 100 mil arquibancadas, superando os 165
mil bilhetes. Em alguns jogos ampliavam em 10% o número de torcedores
no maior setor do Maracanã e com cadeiras especiais e camarotes o total
passava dos 170 mil em algumas pelejas de grande porte. Naquele domingo
chuvoso foram arrecadados 4 milhões, 27 mil, 250 cruzeiros, com 146.043
torcedores.
Leia abaixo os trechos extraídos dos dois jornais,
que você pode acessar nos links a seguir. Eles nos ajudam a chegar perto
da realidade, sem exageros e ufanismos que até hoje contaminam esse
tipo de fenômeno. Note que ambos registram a presença de torcedores de
outros times cariocas que lá estiveram para "secar" o bicampeão carioca e
apoiar o time paulista. Não é lenda. A riqueza de detalhes dos textos
do JB não deixam dúvidas quanto à credibilidade do que é
relatado, até porque o jornal carioca passa longe de qualquer bairrismo e
enaltece, muito, o feito dos "fiéis" torcedores.
E
não tenha dúvidas, mesmo sem os tais 70 mil chutados e "consagrados" a
ponto de para muita gente serem "verdade incontestável", aquele foi um
feito sem igual da torcida do Corinthians. Às demais, só resta invejar. E
não é preciso exagerar. Aliás, os exageros têm sido uma marca dessa
grande fase corintiana. É como se não bastasse ser detentor dos títulos
sonhados. Surge uma necessidade doentia de apontar o clube como maior em
tudo, mesmo que não seja bem assim.
PS:
os jornais da época costumavam grafar Coríntians, sem "h", como você
pode observar abaixo. Em respeito à forma hoje consagrada, que respeita o
nome oficial do clube, nas transcrições abaixo o blog adotou
"Corinthians".
Reprodução
A primeira página do JB em 6 de dezembro de 1976: foto da Fiel no destaque
Jornal do Brasil - acesse o jornal do dia 6 de dezembro de 1976 clicando
aqui Manchete do jornal, na primeira página: "Corinthians vence Flu e faz final com Inter"
Texto: "(...) Os 50 mil corintianos que vieram ao Rio prestigiar seu time proporcionaram um clima de festa (...)"
Na capa do caderno de Esportes: "Corinthians, a vitória de uma paixão"
"Foi
um jogo ganho em vários momentos e de várias formas. Para começar, o
Corinthians pode ter iniciado a trabalhar a vitória a partir do instante
em que o primeiro integrante de sua torcida Fiel decidiu vir ao Rio
para o confronto decisivo com o Fluminense. Esse torcedor, anônimo,
certamente liderou a caravana que em poucos dias se transformaria num
total de mais de 50 mil pessoas que invadiram o Rio movidos pela fé
corintiana".
"Os
52 mil ingressos que teriam sido vendidos em São Paulo, fato propalado durante toda a semana,
na verdade eram 42 mil, pois 10 mil foram devolvidos, sendo que 700 eram cadeiras, vendidas na hora do jogo. Até às 16h50m, ainda haviam 25 mil gerais".
"Nos
10 vôos da ponte aérea São Paulo-Rio e nos 60 ônibus das três empresas
que fazem este percurso normalmente, até às 16 horas de ontem chegaram
cerca de
três mil pessoas, a quase totalidade para
assistir ao jogo entre o Corinthians e Fluminense. Tantos os aviões como
os ônibus vieram lotados e os passageiros não tiveram problemas para
pegar táxis até o Maracanã".
"Nas duas delegacias de Copacabana,
13ª e 12ª, os livros de ocorrência registraram um aumento no número de
furtos no interior de automóveis. A maioria teve os paulistas como
vítimas. Na manhã de ontem, a 13ª DP atendeu a várias brigas na praia
entre torcedores que se agrediam inclusive com garrafadas".
"13h30m — O primeiro grito forte de "Corinthians, Corinthians", seguido de
aplausos para um torcedor com uma bandeira do América (RJ) e outra do Corinthians.
Logo em seguida, respondem com palavrões as provocações da torcida do
Fluminense, que contava de um a 22, lembrando os anos que o Corinthians
não ganha um título.
14h — A torcida do Fluminense provoca e
os
corintianos responderam gritando "Mengo, Mengo" e "Vasco, Vasco",
homenageando vários torcedores dos dois clubes cariocas que se juntaram à
torcida paulista. Quinze minutos depois, aplausos a uns torcedores que rasgaram uma bandeira do Fluminense".
Reprodução
Pequena bandeira rubro-negra em meio à torcida corintiana na festa pelo gol
"Os
primeiros torcedores começaram a sair do Maracanã, antes da prorrogação
e às 19h28m o Volks placa CS-7811 (SP), com dois rapazes, deixou a
calçada em frente ao portão da geral junto ao Museu do Índio, seguiu em
direção à Radial Oeste e deu início ao escoamento. Às 22h já era intenso
o tráfego de ônibus e carros na Rio-São Paulo".
"Às 21h40 (uma
hora e quarenta e cinco minutos depois de encerrada a cobrança de
pênaltis), passou pelo quilômetro zero da Rodovia Presidente Dutra o
primeiro ônibus transportando torcedores paulistas: era da Viação
Sabetur, número de ordem 273. Três minutos depois era a vez do coletivo
da Empresa Centro Oeste (nº 145), seguido por um da Panorama (280) e
outro da São José (107), este já às 21h57m".
"Às 23h o Posto da Patrulha Rodoviária já registrara a passagem de
321 coletivos (nota do blog: cerca de 14.500 mil pessoas)
e um grande número de carros, estes com as bandeiras içadas. Nos ônibus
era tranquilo o comportamento da torcida e nem mesmo as bandeiras
estavam colocadas nas janelas. O primeiro acidente ocorreu pouco antes
da entrada para a Dutra, ainda na Avenida Brasil, envolvendo três
carros, mas sem vítimas: um Chevette e dois Volks. Choveu forte até
22h".
Reprodução
Uma Folha de S. Paulo corintianíssima no dia seguinte: "Estamos (?) lá"
Folha de S. Paulo - acesse o jornal do dia 6 de dezembro de 1976 clicando
aqui Manchete do jornal, na primeira página: "Estamos lá. Nos pênaltis, a vitória dramática do Corinthians"
Na capa do caderno de Esportes: "O susto, a euforia, a festa"
"Derrotando
o Fluminense ontem à tarde no Maracanã, o Corinthians provocou
apoteótica comemoração de sua enorme torcida, que compareceu em massa
(cerca de 70 mil pessoas) ao maior estádio do mundo".
Reprodução
Bandeira do Botafogo com a estrela solitária na festa pelo gol do Corinthians
"O
auge da invasão corintiana no Rio de Janeiro ocorreu a partir das 8
horas de ontem, quando já estavam na cidade os torcedores que iriam ao
Maracanã à tarde. A maioria da torcida organizada,
300 ônibus dos "gaviões da fiel", chegou às 4 horas da manhã, e percorreu a Zona Sul".
"Um
barulho infernal: começava uma festa inédita no futebol nacional, pelo
número de pessoas — cerca de 60 mil — que um time de outro Estado levou
ao Maracanã".
"As torcidas de outros times cariocas dividiam suas preferências.
Do lado corintiano, algumas bandeiras do Flamengo; do lado do Fluminense, bandeiras do Vasco".
Feliz Natal! O blog volta ainda em 2012.
Fonte: Blog do Mauro Cézar